Portal da Cidade Casa Branca

20 de novembro

Brasil: um país sem racismo?

Preconceitos são elementos de desumanização e precisamos lutar diariamente para mantermos nossa humanidade.

Publicado em 20/11/2023 às 09:59

Em abril desse ano, eu e a Carmen Contin estávamos numa estrada encravada na serra da Mantiqueira, em Minas Gerais. Esse estado que foi berço da monarquia e república brasileiras, terra de muita luta pela liberdade. Esse mar de montanhas presenciou muita crueldade nos primórdios de sua história, e se tornou uma jóia na imensidão de nosso país continente.

Paramos em um belo restaurante a beira de um lago. Um lugar requintado mas que mantém a brasilidade que nos encanta a todos. Na mesa ao nosso lado, um grupo de uns 7 ou 8 senhores que bebiam alegremente vinho e comiam um belo churrasco.

Num determinado momento um deles vira e, com cara de assustado diz:

- Nossa! Daqui a pouco é 13 de maio!

Ele referia-se à celebração da promulgação da lei áurea, que dava a todos os negros o direito cidadão, ou seja, o direito de não mais serem escravos e finalmente serem considerados humanos. Uma lei que encerrava mais de 300 anos de horror, morte e crueldade contra um povo inteiro.

Todos concordaram e disseram um "é mesmo...", lembrando que faltavam pouco mais de duas semanas para o feriado. 

O primeiro toma um pouco mais de vinho, mastiga um pedaço de carne, e comenta:

- Se a Princesa Isabel não tivesse feito aquela bobagem, a gente estaria na praia e não aqui!

Todos gargalharam e seguiram seu almoço.

Assustei-me com a simplicidade da frase e a covardia de proferi-la. Aquela estrada, há pouco mais de 200 anos, via negros arrancados de seus lares, trabalhando de sol a sol, sem salário e açoitados para saberem seus lugares. Aqueles cafezais a perder de vista eram de terras que, outro dia desses, sorviam o sangue de homens e mulheres negras, e a chuva escondia lágrimas de mães vendo seus filhos partirem, vendidos por um par de moedas. Almas que eram tratadas como mercadorias e que, com a idade, eram descartadas para a morte enquanto os elegantes jantares ocorriam naturalmente nas casas grandes.

Atônito e sem palavras, olhei para as mesas que nos cercavam e somente eu tinha pele escura. 

Emocionei-me com a crueldade, enquanto os outros riam do comentário. Aqueles cabelos brancos, sinais de uma vida inteira, não foram suficientes para lhes ensinar que somos todos humanos, brancos, negros e amarelos... E que a liberdade de um povo inteiro não foi uma bobagem, mas um reconhecimento do absurdo de homens possuírem homens...

Poucos instantes depois eles se levantaram e se foram, cada qual em sua caminhonete nova, brilhante e de motor que roncava a sua força.

O Brasil é mais que esses barões. Somos uma terra de gente gentil, amável, trabalhadora, cabocla, negra, amarela e branca que, em harmonia, move essa jóia rara. Sempre que percebemos que as diferenças nos enriquecem, damos passos na direção da civilidade e da harmonia.

Somos mais que eles, mas eles ainda estão ao nosso lado. Na padaria, no restaurante, na igreja, nas calçadas. Enxergam superioridade no alvo da pele, e subordinam a alma negra.

Ainda somos vítimas de pensamentos cruéis como esse, arraigados numa cultura de supremacia e que expressam uma visão errada das pessoas. Fundamental lembrarmos que todas as pessoas, de todas as cores, são amores de alguém. Alguém que se importa pela alma que está ali, bem a sua frente.

Preconceitos são elementos de desumanização e precisamos lutar diariamente para mantermos nossa humanidade. Permitir que brincadeiras como essas se dêem, é fechar os olhos para as crueldades sofridas pelos outros. O Brasil precisa compreender que cada um de seus cidadãos importa e deve ter sua história e cultura respeitadas. Precisamos olhar para a nossa história para aprendermos com nossos erros.

Somos todos uma só raça, a humana. Somos diferentes sim, mas feitos da mesma essência e, ao final, é ela que importa.

Fonte:

Deixe seu comentário